É a cor do céu nas primeiras horas da manhã

terça-feira, 26 de julho de 2011

CAMADAS NO CENTRO DA VIDA

—Rospo, precisa entrar em sintonia... com a vida.
—Deve  estar  brincando, Sapabela.
—Estou. Sou brincante, sou brincadeira, adoro brincos. Sempre estarei brincando...
—E hoje está mesmo, e linda. Adorei os seus brincos. Essa cor esmeralda é esmero da alma.
—Obrigado, caro amigo.
—Não usa anel?
—O meu "era de vidro e se quebrou"...
—Sua alma, seu coração, cantiga-se por aí. Num instante estou enlaçado pelos seus olhos regados de poesia. E gostei muito do seu brinco, é mesmo uma autêntica brincante. Mas, sabe o que eu menos gosto no inverno?
—Sapos desabrigados?
—Sapabela, essa é a minha sintonia com o mundo, com a vida. O que me comove em mim é que estou em permanente fusão com a atenção que as injustiças clamam. Mas o que me incomoda muito no inverno é outra coisa, que está num outro plano, entendeu? Somos compartimentos, camadas, e, já sabe, o sapo que se alvoroça na força catalisadora da arte, mas fecha os olhos ou o coração para as injustiças e as dores do mundo, esse sapo já se dissolveu na memória essencial. Bem, somos camadas, você entendeu isso, não é?
—Claro, Rospo! E  só não entendo o porquê de tanto discurso. O que você está querendo dizer, afinal? O que mais o incomoda, nessa sua outra camada?
—O excesso de roupas das sapas por causa do frio.
—Eu sabia!
—Vai deixar mofando aqueles vestidinhos?
—Está frio, Rospo! Mas, como eu dizia lá acima, você precisa viver em sintonia, em harmonia...
—Ora, Sapabela, paraísos me incomodam, a vida não é um celibato, nasci para velejar nos temporais, relampejar no surf, surfar nas tormentas, nas ondas que se atiram contra os rochedos e causam espumas... Nasci para correr ao vento, num avental de aventuras sem fim. Quero viver intensamente, e sei que isso requer um equilíbrio de baile, de valsa e de rock...
—Entendi, a sua harmonia é estar no centro da vida.
—Exato. Que a vida seja ela mesma, e que meu barco siga no azul,  mas um azul apto para os vendavais, os ciclones, os rodamoinhos, as ondas e as espumas. A vida é um encanto, em toda a sua plenitude, se fosse só paz e quietude, se fosse só sossego, que coisa mais sem graça seria.
—Que lindo, Rospo. A partir de hoje darei valor a todas as minhas camadas.
—Como se já não fizesse isso.
—Tchau, preciso ir.
—Já?! Então, deixe-me dizer. Que linda brincante está, com esse brinco de brilhar, de esmeraldar a vida, só falta o vestidinho, mas vamos dar uma chance para o inverno e perdoar essa injustiça.
—Rospo, não me faça rir. Ou melhor, faça.


ROSPO hoje em CASA AZUL DA LITERATURA

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