A SOCIEDADE JUSTA COMEÇA NA MULHER
Mulher
arrastada por um carro de polícia talvez não cause a comoção
necessária para uma reação extraordinária da sociedade, mas me
faz refletir sobre esse Ser.
Cantada
pelos trovadores, pelos compositores e pelos poetas, idealizada pelo
romantismo, também está presente nas grandes revoluções causadas
pela Literatura no universo dos costumes e da moral de uma época:
assim tem sido em todos os romances nos quais seja protagonista,
desde o Madame Bovary, gigante em sua época, que quase levou seu
autor, Gustave Flaubert, à morte.
Mulher
enquanto personagem sempre estremeceu a consciência dos leitores e
aqui no Brasil não foi diferente; veja, por exemplo, o romance A
Carne, do naturalista Júlio Ribeiro. Está entre os que sacudiram as
Repúblicas e os impérios do mundo, causando reboliço na moral e
nos costumes, e anunciando uma nova reflexão e uma nova ética.
Todavia
não devemos nos esquecer de que mesmo personagens tidas como doces e
açucaradas, como A Moreninha, do doutor Macedo, foram importantes
para o advento do estabelecimento de um modo de pensar, e a Moreninha
tinha lá a sua consciência, como se poderá constatar numa leitura
crítica de algumas passagens da obra, que inaugurou de forma
definitiva o folhetim, justamente direcionado ao público leitor
feminino, e responsável entre outras coisas, pela popularização da
Literatura.
Porém,
naturalmente, a mulher não está apenas nas páginas dos livros. Mas
também na vida real.
Dois
mil anos de opressão é pouco. E nos textos antigos, como o mito de
Pandora, está a origem dessa opressão, assim como também no texto
hebreu que relata o mito de Adão de Eva.
Curioso
notar que numa sociedade de valores culturais decadentes ou em
transição, ela é sempre a primeira a ser vilipendiada ou
ofendida.
A
mulher, que dá à luz, — não que dê a luz, como se interpreta,
mas que oferta à luz, oferece generosamente um novo ser à luz do
mundo, e assim oferece a humanidade à luz. A humanidade nascida de
seu ventre, de seu útero, e dessa forma, oferta o salvador à luz,
pois cada filho, cada homem, por ter nascido da mulher configura-se
mitologicamente como um salvador da humanidade.
Salvador
aqui significa aquele que oferecerá a sua vida num ideal de
construção de uma sociedade mais justa, humana, na qual prevalecerá
a justiça e a igualdade, irmanadas à liberdade, o mais precioso bem
da humanidade.
Entretanto,
se a sociedade com seus desvios transforma esse homem, esse alguém
nascido da mulher num ser promíscuo e destrutivo, isso é uma
questão social profundamente grave.
A
mulher não dá à luz um novo ser para que ele seja prostituído por
qualquer sociedade, mas sim para que ele contribua e faça jus a
essa origem de amor e generosidade, lutando para que as sociedades do
mundo se tornem melhores, essencialmente boas; para que ele se torne
merecedor do mundo.
Mais
do que ser cantada pelos trovadores, pelos poetas e pelos românticos,
a mulher deve, acima de tudo, ser respeitada, e esse respeito deve
ser concretizado em ações governamentais, em leis que a protejam e
a dignifiquem e criem condições para que ela lute para reverter a
sua situação de explorada em todos os sentidos, pelas sociedades
patriarcais.
Porém,
não apenas os governos, mas cada cidadão, cada homem e cada pessoa
deve tratá-la dignamente, não apenas com floreios, com versos e
rimas, mas com gestos simples, com delicadeza e companheirismo,
resgatando no cotidiano a gentileza sempre tão urgente no mundo e na
vida de cada um e combatendo com firmeza e rigor toda forma de
brutalidade e de exploração., ensinando a cada homem que o
companheirismo é o princípio de tudo.
A
brutalidade é a face mais terrível das sociedades nas quais
prevaleçam qualquer forma de exploração, e numa sociedade em que a
mulher é brutalizada ou apenas desrespeitada, o progresso entre as
relações humanas estará sempre defasado e deteriorado.
Um
homem não pode jamais se esquecer de que já foi menino, e precisa
compreender que o verdadeiro guerreiro é justo, e que a sua grandeza
e riqueza de alma floresce e cresce na delicadeza que só o
companheirismo pode proporcionar.
MARCIANO
VASQUES
Nenhum comentário:
Postar um comentário